Memória da casa dos mortos, de Fiódor Dostoiévski
“Dizem
alguns (já o tenho ouvido e sei) que o maior amor pelo próximo é, ao mesmo
tempo, o maior egoísmo. Mas que egoísmo poderia haver nisto... nunca cheguei a
compreender”.
É encontrado com outros títulos, o mais atual pela Editora
34 como Escritos da casa dos mortos e
também por outras editoras como Recordações
da casa dos mortos. Este talvez tenha sido o livro mais difícil, porém um
dos meus preferidos de Dostoiévski.
Neste romance acompanharemos a história de Alieksandr
Pietróvitch, que seria um alter ego de Dostoiévski em seu período como
condenado a morte em um presídio na Sibéria, por questões políticas. Porém, nos últimos minutos antes de sua morte, a pena foi mudada por
Nicolau I, que modificou a pena para trabalhos forçados por mais cinco anos.
A partir disso, temos neste livro relatos de suas
impressões tanto do ambiente, quanto de seus companheiros, um deles, Pietrov,
acusado de parricídio, cujo qual muitos críticos dizem ter sido o
estopim para Dostoiévski criar seu romance Os
Irmãos Karamázov. Além disso,
percebe-se a mudança de tom no personagem conforme o tempo passa neste
presídio, principalmente a questão da solidão, frieza e um processo de
autoconhecimento, que, vale ressaltar, foi constituído de muito desconforto.
“Depois
havia de vir a mudar muito a minha opinião a respeito até dos mais ferozes
assassinos; verifiquei que havia quem nunca tivesse matado ninguém e fosse mais
feroz do que outros que tinham sete mortes sobre as costas.”
(pág.
310. Edição L&PM Pocket)
“Descrever
toda essa vida, todos os meus anos de presídio? Isso não. Se a fosse escrever,
pela sua ordem, consecutivamente, tudo o que aí aconteceu e tudo o que vi e
experimentei nesses anos, naturalmente necessitaria de escrever ainda um triplo
ou em um quádruplo número dos capítulo que já tenho escritos.”
(pág.
310. Edição L&PM Pocket)
“Moralmente
solitário, passava revista a toda a minha vida passada; apercebia-me dos mais
insignificante pormenores de tudo; apreciava o meu passado, julgava-me a mim
mesmo de maneira implacável e severa e havia até instantes em que dava graças
ao destino por me ter deparado aquela solidão, sem a qual não me teria sido
possível julgar-me a mim próprio, nem sequer chegar àquele severo exame da
minha vida pretérita.”
(pág.
311. Edição L&PM Pocket)
Temos aqui uma narrativa bem detalhista sobre os sentimentos de
Dostoiévski neste ambiente, suas críticas a respeito do sistema carcerário e
também descrições minunciosas de seus sentimentos sobre tudo e todos. É o
estilo de leitura que nos exige ler mais devagar, sem pressa e com bastante
atenção. Tiveram três capítulos que foram bem difíceis de ler, foram eles “O Hospital”, “O “Hospital (Continuação)” e
O “Hospital (Conclusão)” em razão dos relatos acerca dos castigos para com
os presos e também as condições estranhas das quais passavam frente aos
trabalhos forçados.
Ademais, temos que, analisando de forma cronológica, a prisão,
apesar de ter sido um momento pessoal difícil para o autor, foi a partir deste
momento que temos uma mudança visível em sua personalidade e escrita. Depois de
sua saída, temos mais a frente a publicação de Memórias do Subsolo, Crime e
Castigo, Irmãos Karamazov dentre muitas outras da quais, se ele tivesse morrido
naquela condenação, nunca teríamos o prazer de conhecer.
É um livro mais do que recomendado tanto para os já fãs do autor
ou não. Como já dito, a história é ótima, são diversas as frases que nos deixa
pensando por dias; mas, retomando, deve ser degustada, digerida e lida com muita calma,
porque em muitos momentos a sensação que nos passa é que Dostoiévski está se
abrindo a nós e estivéssemos o conhecendo melhor e estivesse se tornando o nosso amigo. Não sei como ficou a nova edição da
Editora 34, porém essa da L&PM está com as letras beeem miúdas, mas isso
talvez seja porque estou ficando velha e minha miopia está ficando cada vez
pior.
Transformou-se em um dos meus preferidos do autor, sem dúvidas.
Eu, definitivamente, sou apaixonada pelo Dostoiévski.
Cuidado com as entrelinhas e até a próxima resenha.
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