Pais e Filhos, de Ivan Turguêniev
Ivan Turguêniev
escreveu diversos livros, contudo Pais e Filhos teve uma maior
repercussão em razão de tratar o conflito de gerações que causavam discussões e
reflexões sobre valores e pensamento dos quais representavam a total transição
política e cultural na Rússia, esta dominada há tempos por um governo czarista,
tornando-a um país atrasado, estagnado e feudal.
O assunto principal
tratado ao recorrer do livro, é o niilismo. O termo foi apresentado pela
primeira vez neste enredo e a expressão tornou-se uma referência utilizada para
referir-se, de cunho pejorativo, aos componentes intelectuais da intelligentsia
que faziam parte a juventude radical e aos movimentos populistas Narodnik),
isto é, a nova geração que a Rússia estava sendo construída.
A
narrativa inicia-se com a espera ansiosa de Nikolái Petróvitch Kirsánov pelo retorno de seu filho, Arkádi
Nikoláievitch Kirsánov, da faculdade. Quando o estudante chega, ele não está
sozinho, mas sim acompanhado por um rapaz chamado Evguéni Bazárov, ou apenas
Bazárov. O visitante, a princípio, parece ser inofensivo ao enredo, até quando
é evidenciado aos poucos, suas opiniões e pontos de vista, que o revelam um
seguidor das teorias niilistas. No entanto, este fato não agrada ao tio de
Arkádi, Pável Petróvitch Kirsánov, um homem descrito por possuir uma beleza
intensa e fiel as suas opiniões, das quais são caracterizadas, assim como por
Nikolai, pelos ideais aristocráticos.
“-Não, não é a
mesma coisa. O niilista é uma pessoa que não se curva diante de nenhuma
autoridade, que não admite nenhum princípio aceito sem provas, com base
na fé, por mais que esse princípio esteja cercado de respeito.”
(Turguêniev,
Ivan. Pais e Filhos. p. 44, Editora Companhia das letras, 2019)
São
a partir de tais diferentes pontos de vista, que ocorrem os momentos mais
divertidos e emblemáticos da história, pois o conflito de gerações são
demonstradas a partir das discussões entre Pável e Bazárov, além de suas
semelhantes peculiaridades. Observa-se, neste ponto, que Bazárov passa a ser o
personagem principal da história e, aquele que ao início parecia ter um papel
secundário, agora resgata toda a cena.
Outrossim, estas
discussões com pontos de vista opostos representam, simbolicamente, a transição
russa. Os personagens dos quais são as figuras mais velhas do romance, retratam
a velha Rússia: estagnada, feudal, acomodada e sem perspectivas de evoluções
futuras; por outro lado temos Arcadi e Bazárov, dos quais trazem as novas
idéias do niilismo, que correspondem à situação da Rússia do século XIX, com
suas intensas manifestações e transitoriedade cultural, de pensamento e
costumes.
Além disso, apesar de
ser um livro escrito há um tempo, o termo “conflito de geração” é na prática
extremamente atual. Na realidade, nós mesmos estamos sujeitos a tais discussões
se trouxermos algum assunto polêmico à tona enquanto jantamos com nossos pais
e/ou familiares. É bem capaz que determinados assuntos possam aflorar situações
de mesmo nível que ocorrem entre Bazárov e Pável, talvez possamos travar
debates tão acaloradas a qual faça nascer uma rivalidade para toda vida. No
entanto, ao invés de uma conversa sobre o niilismo e aristocracia, estes serão
substituídos por outros assuntos, dentro de outros termos a partir de outros
vocabulários, separados por uma linha tênue entre os discursos juvenis, que
transformam seus argumentos temperados de emoções e recheadas de orgulho e
certezas; Por outro lado, sempre teremos o lado o qual se diz mais experiente
e, por vezes, arrogante dos mais velhos, até porque segundo eles, viveram o
suficiente e conhecem a vida o bastante.
No entanto, não é
exagero refletirmos que, daqui a alguns anos, nós mesmos estaremos sentados com
nossos filhos à mesa, acompanhados de um jantar barato, quando finalmente eles
olharão para o fundo de nossos olhos e irão nos apresentar, questionar e nos
atacar com suas novas ideias e convenções. Quiçá, nos deixarão conturbados
demais para percebermos e lembrarmos que nós também já cometemos os mesmos atos
para com nossos pais. As relações familiares são um ciclo representado pela
nossa própria história, porém em diferentes contextos.
Ademais, outro ponto
deste livro, que também remete a questão de gerações em conflito, mesmo que de
maneira implícita, é a forma como Tuguêniev aborda a imagem feminina em
sua obra, com Anna Serguéievna Odíntsova. O poder qual Anna exerce
sobre Bazárov ao primeiro momento, conquistando-o a partir de sua natureza
emancipadora, a maneira como conduz os diálogos que demonstram inteligência,
cultura, formalidade, elegância e feminilidade traz a narrativa a valorização
do feminino. Enfim, a intensa e surpreendente presença desta personagem, também
pode ser considerado uma afronta aos costumes da época.
É evidente, de certa
forma, a infelicidade e o não tão velado ponto de vista de Turguêniev a
respeito dos grupos de intelectuais dessa nova Rússia a qual estava nascendo
aos poucos. Ao matar Bazárov, ele rechaça contra as opiniões da nova geração
Russa que está por vir. Por essa razão, faz Bazárov se apaixonar e o mata,
demonstrando que por trás das teorias acerca da destruição ele é, antes de
tudo, um ser humano.
Frente a outras obras
russas, Pais e filhos não usa uma intensidade em questões estilísticas e de
linguagem, visto que não há muitas referências bíblicas ou uma maior
profundidade psicológicas, como ocorrem em Os Irmãos Karamázov e Crime e
Castigo, de Dostoiévski ou até mesmo Anna Kariênina, de Tolstói. Todavia, é um
livro que foi de extrema importância em grande escala para a literatura russa,
pois foi a principal forma de abordar o que ocorria nesta polarização do
país e sociedade russa e antecedentes da Revolução.
Ivan
Sergeiévitch Turguêniev, apesar de ofuscado pelos seus colegas Dostoiévski e Tolstoi,
isso não significa que não tem sua importância. Suas obras, além de Pais e
Filhos, como A Véspera e O Primeiro Amor revelam o senso crítico do
autor, além da a conscientização da época moldadas e incorporadas em
personagens sempre muito marcantes e peculiares.
Comentários
Postar um comentário