Salinger, de David Shields e Shane Salerno




 Ao lermos O Apanhador no Campo de Centeio, há um momento em que Holden Caulfield diz: ”bom mesmo é o livro que quando a gente acaba de ler e fica querendo ser um grande amigo  do autor, para se poder telefonar para ele toda vez que der vontade. Mas isso é raro de acontecer”.


Bom, essa foi a sensação depois de ler O Apanhador: telefonar para Salinger, marcar e tomar um café, enfim,  conversar com uma das pessoas que pode compreender muito, descrever como ninguém a adolescencia e não apenas isso: um pouco da essência humana. Mas, depois de ler sua biografia, vi que não fui a primeira a pensar isso. Na realidade, muitos FIZERAM isso e Salinger, um homem marcado pela guerra e com isso buscando a completa reclusão, não gostava muito dessas ‘invasões’ dos fãs:

“- Eu sou um escritor de ficção- ele disse- É tudo ficção. Não há absolutamente nenhuma autobiografia nas minhas histórias. Não posso ajudar essas pessoas. Se eu soubesse que isso aconteceria, acho que não as teria escrito – Ele parou.”
SHIELDS, SALERNO, David e Shane. P.113. Editora Intrinseca. 2014

“-(...) -Não estou aqui para ajudar pessoas como você com seus problemas. Não sou professor ou vidente. Não sou um conselheiro. Eu talvez exponha questões sobre a vida em minhas histórias, mas não tenho a pretensão de saber as respostas. “
SHIELDS, SALERNO, David e Shane. P.113. Editora Intrinseca. 2014


Antes de tudo, é necessário enfatizar que Holden Caulfield é Salinger, não se pode negar. Em algumas entrevistas e até mesmo com amigos próximos, muitos diziam que Salinger constantemente dizia frases como “ Holden não gostaria disso”, “ Holden provavelmente gostaria daquilo"... percebemos que Holden seria o Salinger do passado, o qual já morreu há muito tempo.

Em suma, Holden seria aquela pessoa que fomos aos 17 anos, não existe mais. Percebemos que morremos várias vezes em vida, uma morte que chamo de 'metafórica'. Salinger foi na guerra, e o seu?

Entretanto, o livro aborda não apenas O Apanhador, mas as suas outras obras que ele veio a escrever, no caso, os contos como ’Franny and Zooey’, ‘Carpinteiros: levantem bem alto a Cumeeira’ e também vários outros os quais Holden Caulfield já participava. A escrita era a sua companheira durante a Segunda Guerra, a qual ele participou de algumas batalhas, refletindo em suas obras e também:

“O Apanhador no Campo de Centeio, o maior livro anti-establishment de todos os tempos e um dos maiores campeões de venda da história, quase não foi publicado. Uma obra que sobreviveu aos piores horrores da segunda guerra mundial quase foi atirada às chamas do inferno do mundo editorial de Nova York.”
SHIELDS, SALERNO, David e Shane. P.260. Editora Intrinseca. 2014

“Salinger havia matado Holden Caulfield em alguns contos publicados anteriormente, nos quais um personagem com o mesmo nome, parecidíssimo com o protagonista do romance, é dado como perdido em ação durante a Segunda Guerra Mundial.
SHIELDS, SALERNO, David e Shane. P.262. Editora Intrinseca. 2014


O livro relata também a questão do campo amoroso de Salinger. Sua primeira namorada foi  a filha do dramaturgo Eugene O’neal,  Oona O’neal, a qual escrevia imensas cartas enquanto estava em guerra. No entanto, enquanto ele escrevia cartas ela se apaixonava por nada menos que Charles Chaplin. Isso mesmo! um dos grandes gênios do cinema, com o qual Oona casou-se e teve oito filhos. Saliger, a partir de então, fica completamente arrasado: na guerra, em situações precárias, sua namorada o abandonando por um homem muito mais velho, aquele que viria a ser um dos grandes nomes do cinema.

Depois disso, uma vida regada a relacionamentos com garotas mais novas, abandonando-as quando completam 18 anos pois mulheres mais velhas já estavam ‘sujas’, refletindo sua obsessão pela inocência:

“Salinger e Oona combinaram de se encontrar quando voltassem para Mahattan. Iam a museus, cinemas e peças de teatro, saíam para jantar em cafés e restaurantes e davam longos passeios pelo Central Park, passando pelo lago com os patos que Salinger imortalizaria uma década depois em O Apanhador no Campo de Centeio. Naquele verão, Salinger se apaixonou profundamente por Oona”.
SHIELDS, SALERNO, David e Shane. P.78. Editora Intrinseca. 2014

“Lá estava Oona, para quem Salinger escrevia cartas de catorze páginas; provavelmente, no fundo, ele pensava que os dois ficariam juntos quando a guerra acabasse. E agora, estava tudo acabado.”
SHIELDS, SALERNO, David e Shane. P.101. Editora Intrinseca. 2014

“No minuto em que completou dezoito anos, Oona se casou com Chaplin.”
SHIELDS, SALERNO, David e Shane. P.101. Editora Intrinseca. 2014


Com os acontecimentos da guerra e com o abandono de Oona, Salinger nunca mais seria o mesmo. Seria Holden Caulfield.

Por fim, essa biografia conta muitos outros detalhes da vida e personalidade de Jeremy David (J.D), o assassinato e os assassinos de John Lennon e Reagan, por exemplo. É recomendado para quem já leu o Apanhador no Campo de Centeio, até mesmo seus outros contos, pois o nível de detalhes podem ser atalhos para spoilers. Confesso que não sou muito chegada a biografias, mas esta realmente me cativou: houve momentos em que quis abraçar Salinger, outros tive raiva; mas foi o autor que escreveu um dos livros mais curiosos e cativantes do século XX.

Esta edição encontrei na Saraiva, por um preço acessível de R$ 9,99. Sim! Quase 600 páginas por esse valor. Existe uma outra biografia escrita por Kenneth Slawenski, chamada "Salinger: Uma Vida"a qual ainda não li. Mas veremos.


Prepare-se para uma futura ressaca literária, pois o deixará pensando por algum tempo;

Cuidado com as entrelinhas, 

Uma boa leitura a todos !



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