O duplo, de Fiódor Dostoiévski
Publicado em … O duplo é o segundo romance do autor seguido por Gente Pobre. Diferente deste, aquele não obteve o sucesso de seu antecessor e, ainda hoje em dia, é um dos livros menos colocados como prioridade de leitura até mesmo pelos apreciadores dostoievskianos.
O enredo segue Golyádkin, um homem descrito com uma personalidade não marcante, submisso, neurótico, tímido, nervoso e com percepções duvidosas da realidade. Ele trabalha em uma repartição pública, assim como a maioria dos personagens de Dostoiévski e, aparentemente, seus colegas não o tem como um melhor amigo.
Dessa maneira, ao longo da história a narrativa é apresentada a partir de fluxo de consciência de Golyádkin, da qual é bastante detalhista, ansiosa, pensamentos rápidos alternados por períodos prolongados de introspecção. No entanto, todos esses sintomas são potencializados quando seu duplo surge, com o mesmo nome, porém diferente e oposto ao primeiro causando mais ansiedade “em nosso herói” como descrito pelo próprio autor.
Apesar de não ter se tornado meu livro favorito de Dostoiévski, esta é uma narrativa que traz diversos temas tanto explícitos quanto implícitos. A primeira delas é a questão dos duplos em si e a maneira como o personagem lida com sua própria imagem à sua frente, de maneira que me lembrou diversas outras histórias como a série Twin Peaks, o filme O clube da luta e o próprio filme inspirado no livro de mesmo nome.
A discussão e a filosofia por detrás de narrativas acerca desse estilo narrativo causa reflexões sobre nós mesmos, pois também possuímos um duplo, alguns até mesmo desconhecidos de nós mesmos. Uma pessoa muito doce e simpática, por exemplo, pode se mostrar completamente melancólica e fria em alguns momentos e vice e versa. Por muitas vezes, em conversas com conhecidos percebo a dificuldade das pessoas de reconhecer a si mesmo ou aos outros além daquela pessoa que se apresenta para si. Uma pessoa que conversa com todos e se mostra extrovertida não significa que ela seja aquilo para sempre, pelo contrário, talvez aquilo seja apenas uma persona criada para sobreviver ao mundo, mas no escuro da noite, na quietude e solidão da insônia nunca saberemos as reais fantasias e misericórdias clamadas.
E isso que faz Dostoiévski ser Dostoiévski, nos faz enxergar além do que nós vemos nas pessoas. Entre o bem e o mal, entre o amor e o ódio, entre a alegria e a tristeza, entre o belo e o feio, entre o céu e o inferno existe um lapso que ainda, e talvez nunca, seja nomeado e se existe alguém neste mundo do qual descreveu muito bem esses vazios foi Dostoiévski.
Cuidado com as entrelinhas e até a próxima resenha.
Comentários
Postar um comentário