“A divina comédia: Inferno, de Dante Alighieri




-’Que fortuna’ - me disse- ‘ou que destino’

Antes da morte aqui te há conduzido?

De quem recebes  na jornada de ensino?

-’Antes de haver da idade o tempo enchido

Sobre a terra na vida sossegada,

Num vale’ - respondi - ‘Fiquei perdido.’“


“Naquela parte do ano incipiente

Em que as comas do Sol se fortalecem

No Aquário e a noite iguala o dia ausente,

Quando as geadas matinais parecem

Da alva irmã figurar a imagem pura,

Mas tais feições em breve se desvanecem,

Campino, que a indigência já tortura,

Ergue-se, e vendo o prado embranquecido,

No coração calar sente a amargura.

Torna o tugúrio e carpe-se abatido,

Como quem toda esperança já perdera;

Mas, vendo em breve o campo estar despido

Do triste manto, o alento recupera.”


Antes de você iniciar a leitura dessa resenha, saiba que há um alerta de gatilho para: suicídio. 


É bem provável que você já tenha lido/escutado ou mesmo acredita no inferno e o teme. Agora, imagine o ambiente infernal de fato, a sua imaginação o levará a um lugar com fogo, sofrimento, vale dos suicídas, os sete pecados capitais, e, talvez, figuras ilustres ou a expressão carinhosa usada popularmente “quinto dos infernos”. Todo esse imaginário se dá a partir desta primeira parte de A divina comédia ou vulgo “inferno de Dante.” 

Com data de publicação aproximada de 1313, mal sabia-se Dante que sua ideia seria aprofundada e levada muito a sério ao longo da história, principalmente pelo cristianismo. 

A aventura é narrada a partir da estrutura narrador-personagem, isto é, o próprio Dante nos contará a sua perturbadora passagem pelo inferno, guiado por Virgílio - sim, o mesmo de Eneida. Dessa maneira, o leitor é apresentado aos nove círculos do inferno e cada qual tem sua característica própria, seja luxúria, gula, violentos contra outrem, suicidas (o que mais gostei e me fez pensar) dentre outros. Além disso, o formato também é descrito como um funil do qual conforme desce-se, mais sombrio e difícil emocional e fisicamente passar. Ademais, e o mais engraçado - até mesmo irônico e crítico - são encontradas diversas personalidades históricas como poetas, papas, diversas figuras religiosas e políticas. Abra sua mente para metáforas e alegorias, pois é um enredo completamente formado por isso.

Sempre que ouvia ou lia algo sobre este livro as expressões e opiniões eram sempre as mesmas: “é difícil”, “coragem”, “olha… chato”, “hum… é legal, mas toma tempo”, “ah, sei… aquele lá… bom… difícil”. Devo dizer que estavam certos. 

Esta não é uma leitura fácil, para ser mais exata, é um enorme desafio e a linguagem é um dos fatores principais na qual faz a leitura demorar tanto para ser bem assimilada, quanto gerar fluidez. Porém, além da linguagem, o que torna a leitura mais densa é justamente quando se compreende, lembrando ser esse livro um passeio pelo inferno e não poderia ser  mais carregado. Sem dúvida, a passagem da qual mais me marcou foi a viagem pelo sétimo círculo, onde são descritos os suicídios e no que eles se transformaram, no momento até mesmo pensei em esse círculo ser usado para campanhas de setembro amarelo, de tanto que entra em nosso psicológico. 

Mas, ao término da leitura, apesar de todos os percalços de leitura, o sentimento é de não ser mais a mesma pessoa depois de ter passado pelo inferno. Este é um daqueles livros que algo muda, contudo não se sabe exatamente em qual aspecto, pois é incômodo, não apenas pela linguagem. Lembrando que é um livro que traz elementos alegóricos do qual pode ser interpretado e levado até mesmo para a nossa própria vida quando estamos em momentos ruins… o inferno de cada um. 

Um ótimo livro para o seu repertório. Apenas lendo para sentir. 

Cuidado com as entrelinhas e até a próxima resenha.



 

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